quinta-feira, 16 de abril de 2015

Cenários e acenos: a cidade como personagem

A cidade como coadujante em um sketch de Carlos Hollanda
Além dos personagens, Psicopompo é sobre a evolução e as transformações de um bairro. São os conflitos por territórios que norteiam as ações dos grupos de crianças (e também dos poucos adultos) em cena. E por isso, mesmo que não mencionada diretamente e de manter um viés universalista, a história se passa no Rio de Janeiro. Mas, cá entre nós, qual das minhas histórias não cita o Rio?

Desde meu primeiro conto publicado, Eu matei Paolo Rossi (Outras Copas, Outros Mundos, 1998), onde o Rio divide o palco com Barcelona, que os morros, as praias e a área urbana carioca servem como pano de fundo – ou elemento ativo, como no caso de O dia em que Vesúvia descobriu o amor (Cidades Indizíveis, 2010)– para meus devaneios e tentativas literárias. Porque não me vejo como parte de outro lugar e acredito que devo algo ao local em que nasci.

Por isso, em diversas cenas de Psicopompo temos o contraste verticalizante dos morros do Rio como uma metáfora meio óbvia para os conflitos sociais que desde sempre sacudiram a cidade. Personagens caem, almejam o céu, avistam a orla, muitas vezes “pairam” sobre cenários em alturas impossíveis. Tudo para exagerar o senso de urgência, de “desnível”, que o Rio sempre me passou. Afinal, uma cidade entre o horizontal e o vertical, praias e morros, pode ser encarada como a materialização do senso de instabilidade. Nada é tranquilo no Rio, tudo é sempre um pouco desequilibrado.

Contracapa do CD Musical Guide From Stellium
Esse contraste já estava presente em meus projetos desde os anos 90, quando produzi, em parceria com Gilberto Zavarezzi, uma capa para o disco Musical Guide From Stellium, da banda Dorsal Atlântica. A contracapa mostra o pão de Açúcar como se fosse visto através das ruínas de um templo, em um morro inexistente. 

A mesma vista impossível, aparece, de certa maneira, em um dos quadros de Psicopompo (o mesmo mostrado no início deste post). É uma homenagem ao Rio de Janeiro, mas também é um jeito nada sutil de inserir a urbe, senão como protagonista da HQ, talvez como uma presença mais direta. Porque cidades também tem alma.





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