terça-feira, 31 de março de 2015

A estrutura das páginas


Um dos pontos mais trabalhosos de uma HQ e menos perceptíveis a olhos pouco treinados é a estrutura narrativa, o encadeamento dos quadros, cuja intenção é sempre direcionar o olhar do leitor de acordo com a intenção do roteirista. No meu entender, deveria existir uma lógica interna de leitura em todas as narrativas gráficas, como se cada desenho na página, cada contagem de quadros, funcionassem como elos de uma corrente. No melhor dos mundos, até essa estrutura deveria ter um significado.

Alguns exemplos que me vem à cabeça são as páginas de quadros de alturas variáveis de Winsor McCay para Little Nemo in Slumberland, que funcionavam para exagerar um efeito de “vertigem” no leitor.

Quanto mais verticais os quadros, maior a altura.
Em Lobo Solitário, a dupla formada por Kazuo Koike e Goseki Kojima lança mão da horizontalidade para representar a velocidade dos personagens e construir a tensão do confronto. Destaque para os últimos quadros, separados por uma canaleta em diagonal, que potencializa a força do impacto iminente.

Os duelos hipercinéticos onipresentes em Lobo Solitário


Por último, simbolizando o que decidi produzir para Psicopompo em termos narrativos, temos a grande estrutura em páginas espelhadas criada por Alan Moore e Dave Gibbons para o capítulo 5 (ou “V”) da minissérie Watchmen, onde, a partir do meio da edição, cada página ímpar é o reflexo da página correspondente de número par. A leitura dessa edição foi construída para, segundo os autores, “refletir” a psicologia de um personagem obcecado pela dualidade do mundo (bem como inverso do mal, certo como inverso de errado etc).


No centro da quinta edição espelhada, percebe-se um “V”
Para que o resultado da leitura seja perfeito, o roteirista precisa projetar graficamente toda a narrativa, desenhando página a página em thumbnails (esboços do tamanho de uma unha de polegar). Esses esboços ajudarão o ilustrador a entender o procedimento de leitura em cada página, montando assim uma visão reduzida de toda a HQ.

Em Psicopompo, uma história sobre reencarnações e vidas cruzadas, optei por estruturar o grid das páginas representando esse conceito por intermédio do posicionamento dos quadros. Começamos com uma página de apenas um quadro, passamos para páginas divididas em quatro quadros, depois seis, depois nove e, finalmente, um quadro de página dupla. Como demonstrado no esboço abaixo, é como se construíssemos duas espirais irregulares ou, de certa maneira, uma hélice dupla.

O DNA da HQ
A estrutura é essa, mas me reservo o direito de quebrar a rigidez rítmica dessa “espiral”, inserindo de vez em quando, em momentos especiais, uma página dupla de um quadro (uma splash page) entre duas páginas de seis quadros. Assim teremos uma diagramação mais fluida e menos previsível.

Sequência de quatro quadros de Psicopompo

2 comentários:

  1. Parabéns pela explanação de seu artigo as estruturas das paginas,

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    1. Muito obrigado, Cida! A cada quarta, teremos mais e mais explanações. Volte sempre e obrigado pelo comentário.

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