quarta-feira, 3 de junho de 2015

Improviso calculado: roteirizando Psicopompo

Página 11: diagramação a quatro mãos



Para tristeza de alguns ilustradores, sempre digo a meus alunos de jornalismo gráfico que, antes de qualquer imagem, de qualquer traço, vem o texto. Mesmo quando ele não se materializa, existindo apenas na mente, ele está lá, guiando uma mão do artista, que obedece a um conceito, um projeto ou uma história.

Quando Pollock desenvolveu a técnica do dripping, estava “escrevendo” sem letras, utilizando o pincel e a tinta para gotejar uma representação projetual sobre a tela em branco. Havia espaço – e muito – para o fortuito, mas tudo, ele mesmo dizia, era calculado, até o improviso.

E é por isso que, mesmo em uma HQ criada simultaneamente a seis mãos, há um roteiro, mesmo que não necessariamente escrito até a última vírgula. Esse é o caso de Psicopompo, que nasceu como um projeto cuja a apresentação continha três ilustrações e duas páginas de texto. A segunda encarnação conceitual foi um mix de roteiro convencional e storyboard, visando a confecção das primeiras dez páginas. Agora que já estruturamos o ritmo e a “temperatura” tanto de traço quanto de cor, essas dez páginas funcionam como a plataforma sobre a qual construirei o tratamento do resto do roteiro, complementado com diversos desenhos e roughs narrativos. 

A Garagem Hermética: roteiro livre e surreal
É como todo mundo faz? Não, não é. Alan Moore escreve roteiros detalhando cada detalhe. Ele mesmo chama essa técnica de “à prova de ilustradores”, visando impedir que o desenho mostre algo diferente do que orquestrou em sua mente. Gosto e respeito essa técnica, mas, como não canso de repetir, adoro me surpreender com meus colegas ilustradores. Acho o máximo – e enriquecedor –  quando eles apresentam propostas diferentes para meus textos.

Com Carlos Hollanda e Osmarco Valladão, as coisas têm sido bem dinâmicas. Somos – os três – contadores de histórias e gosto de acreditar que construímos uma narrativa complexa e plural, onde meu texto não tem supremacia sobre a arte, pelo contrário. Ele, com certeza, antecipa os visuais, mas de maneira alguma é pétreo, impermeável às eventuais alterações e acréscimos da arte. Todos podemos fazer storyboards e estou aberto a diálogos, assim como já combinamos que, caso alguém queira, poderá fazer os desenhos.

Moebius escreveu a Garagem Hermética sem roteiro, improvisando tudo a cada página, numa vibe surrealista, e George Miller dirigiu o último Mad Max baseado apenas em storyboards, sem roteiro fixo, criando uma narrativa cinética como há muito não se via no cinema comercial.

Pois é. No que diz respeito a Psicopompo, parafraseando um slogan conhecido das HQs, espere o inesperado.

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