sexta-feira, 15 de maio de 2015

As reencarnações do imperialismo e o poder do moderno na tipografia.



Em 1988, um filme – que não gostei na época – chamou minha atenção por apenas um detalhe aparentemente invisível para a maioria das pessoas. Esse filme é Eles Vivem (They Live), de John Carpenter. Por trás da trama sobre invasão alienígena, havia uma crítica pouco sutil sobre a cultura yuppie e o capitalismo exacerbado. O “McGuffin” do roteiro para toda a ação era a existência de óculos especiais que permitiriam ao usuário “ler” a verdadeira mensagem subliminar de submissão por trás de todos os outdoors, capas de revista e programas de TV. Ou seja, nossa sociedade já estava dominada pelos aliens, que em lugar de disparar torpedos em Washington ou destruir a camada de ozônio, simplesmente nos convenceram a consumir o planeta, cultuando o “Deus dinheiro”. 
Uma metáfora rasa, sem dúvida, mas o que me chamou a atenção foi um detalhe: todos os letterings do filme eram construídos com variações de uma única família tipográfica: a Futura


Futura é uma família tipográfica sans-serif criada em 1927 pelo tipógrafo Paul Renner, buscando um viés modernista, geométrico e diferenciado. Apesar disso e de sua proximidade estrutural dos projetos tipográficos da escola Bauhaus, o lançamento comercial da Futura ocorreu apenas nove anos mais tarde. A família tipográfica de Renner, além da forma geométrica e sem serifas, privilegiando triângulos, círculos e quadrados em detrimento de ovais, também ansiava por um ineditismo, deixando de lado modelos antigos e referenciais. Apesar de todo esse desejo pelo novo, algumas semelhanças formais com a Capitalis Romana – letras cunhadas em Roma para os templos e monumentos, projetadas para leitura ao longe e que também serviam como identidade visual do império – são inegáveis, principalmente nos ângulos agudos de letras como “M” e “A”.

Talvez aí, nessa aparente contradição, resida o fascínio exercido pelo projeto de Renner, pois apesar de ansiar pelo novo, existe ali uma sedução pelo lado portentoso, poderoso, do Império Romano. E talvez por isso aceitemos essa família tipográfica como fator de reconhecimento de uma cultura invasora, estranha, alienígena.


Por esses motivos, escolhi a Futura para o primeiro logotipo de Psicopompo. Sim, primeiro, pois o logo deve refletir a natureza do protagonista e, por isso, decidimos que haverá uma evolução constante na estrutura das letras até o término da confecção do álbum, sem , porém, macular sua identidade tipográfica.

Aguardem os futuros passos. 

2 comentários:

  1. Curioso que uma variação da Futura, a extrabold, quebra um tanto os princípios da geometria, mas se tornou a queridinha dos diretores de arte das agências de publicidade. Gosto desse entreletramento mais aberto.

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  2. Sim, eu também, Zé. Mas sempre achei a extrabold meio herética.

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