sexta-feira, 12 de junho de 2015
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Improviso calculado: roteirizando Psicopompo
Página 11: diagramação a quatro mãos |
Para tristeza de alguns ilustradores, sempre digo a meus alunos de jornalismo gráfico que, antes de qualquer imagem, de qualquer traço, vem o texto. Mesmo quando ele não se materializa, existindo apenas na mente, ele está lá, guiando uma mão do artista, que obedece a um conceito, um projeto ou uma história.
Quando Pollock desenvolveu a técnica do dripping, estava “escrevendo” sem letras, utilizando o pincel e a tinta para gotejar uma representação projetual sobre a tela em branco. Havia espaço – e muito – para o fortuito, mas tudo, ele mesmo dizia, era calculado, até o improviso.
E é por isso que, mesmo em uma HQ criada simultaneamente a seis mãos, há um roteiro, mesmo que não necessariamente escrito até a última vírgula. Esse é o caso de Psicopompo, que nasceu como um projeto cuja a apresentação continha três ilustrações e duas páginas de texto. A segunda encarnação conceitual foi um mix de roteiro convencional e storyboard, visando a confecção das primeiras dez páginas. Agora que já estruturamos o ritmo e a “temperatura” tanto de traço quanto de cor, essas dez páginas funcionam como a plataforma sobre a qual construirei o tratamento do resto do roteiro, complementado com diversos desenhos e roughs narrativos.
A Garagem Hermética: roteiro livre e surreal |
É como todo mundo faz? Não, não é. Alan Moore escreve roteiros detalhando cada detalhe. Ele mesmo chama essa técnica de “à prova de ilustradores”, visando impedir que o desenho mostre algo diferente do que orquestrou em sua mente. Gosto e respeito essa técnica, mas, como não canso de repetir, adoro me surpreender com meus colegas ilustradores. Acho o máximo – e enriquecedor – quando eles apresentam propostas diferentes para meus textos.
Com Carlos Hollanda e Osmarco Valladão, as coisas têm sido bem dinâmicas. Somos – os três – contadores de histórias e gosto de acreditar que construímos uma narrativa complexa e plural, onde meu texto não tem supremacia sobre a arte, pelo contrário. Ele, com certeza, antecipa os visuais, mas de maneira alguma é pétreo, impermeável às eventuais alterações e acréscimos da arte. Todos podemos fazer storyboards e estou aberto a diálogos, assim como já combinamos que, caso alguém queira, poderá fazer os desenhos.
Moebius escreveu a Garagem Hermética sem roteiro, improvisando tudo a cada página, numa vibe surrealista, e George Miller dirigiu o último Mad Max baseado apenas em storyboards, sem roteiro fixo, criando uma narrativa cinética como há muito não se via no cinema comercial.
Pois é. No que diz respeito a Psicopompo, parafraseando um slogan conhecido das HQs, espere o inesperado.
sexta-feira, 29 de maio de 2015
Fechando a primeira parte da HQ
Uma das coisas mais legais na produção de Psicopompo é a certeza da surpresa.
É a sensação que antecede a abertura de um arquivo enviado pelo Carlos Hollanda ou pelo Osmarco Valladão, sabendo que vou ficar pasmo com suas interpretações de meu roteiro.
Eu ia postar esta semana um comentário sobre narratividade e etc, mas fui assolado pela essa beleza plástica dessa página, que encerra nossa primeira dezena de pranchas no lápis.
O segundo passo agora é eu me impressionar com as páginas coloridas pelo Osmarco enquanto volto ao teclado para estruturar mais e melhores cenas, diálogos e confrontos, com a certeza que, a cada semana, vou me maravilhar com esses desenhos.
quinta-feira, 21 de maio de 2015
Uns e outros: alguns dos meninos da HQ
Miguel dividindo a bola com a galera |
A maior diversão de Psicopompo é compor, em parceria com Carlos Hollanda e Osmarco Valladão, as personalidades dos coadjuvantes. Nosso herói, Miguel, é um garoto pobre, mas íntegro, com coração de ouro e inseguranças advindas de um sentimento pouco claro de que possui uma missão importante, mas que ele não faz ideia qual seja. Ele é quase todo instinto, improviso e intuição, e, se por um lado isso o torna empático, é no contraste com seus companheiros mais próximos que essas características se destacam. Assim sendo, dá um certo trabalho construir personagens que complementem o protagonista.
Dentre os quatro meninos que compõem a galera, estabelecemos que um deles seria um oposto perceptível. Alguém vaidoso, ciente de seu valor e algo exagerado na aparência. Laquê, cujo cabelo foi inspirado em um velho personagem das telenovelas – Mederics, vivido por Ney Latorraca, em Estúpido Cupido – é o artilheiro do time da quadra, daqueles que acha que pode resolver tudo sozinho.
Ele é o clássico “fominha”, um fanfarrão, alguém que se julga um pouco melhor do que realmente é, mas que, exatamente por isso, é sempre o primeiro a se jogar na frente da situação arriscada, a tentar blefar o inimigo, a “pagar para ver”. Baseei a postura e os diálogos de Laquê em dois amigos de infância e juventude, sempre os melhores exemplos quando vamos falar de adolescentes. Então, se alguém se reconhecer em algum gesto ou frase de Celso Laquê (o apelido vem do cuidadoso penteado, que os meninos acreditam ser fixado com o laquê da mãe dele), não se assuste, é com você mesmo que estamos falando.
Poeira, alérgico até dizer chega, esperto como só |
O segundo amigo mais próximo de Miguel é o malemolente Poeirinha. O nome vem de sua alergia eterna, que o deixa quase sempre o com o nariz entupido e a voz meio fanha, mas isso não impede de ser o mais esperto e observador do grupo. Diferente de Laquê e Miguel, ele tem noção de seus limites, uma visão clara de tudo e todos. Sempre percebe quando alguém está triste ou insatisfeito antes de todo mundo. Isso inclui o perigo, do qual tenta sempre escapar na base da conversa. Jorge Poeira, o rei do papo furado e do nariz escorrendo, é o diplomata da rapaziada, sempre com uma boa piada para aliviar o ambiente e a certeza que tudo na vida pode – e deve – ser negociado.
É Poeira quem percebe que Miguel é diferente, que tem um mistério, algum de segredo que é muito maior que qualquer coisa que eles possam imaginar. Porém, ele também acredita que a única função da existência de segredos é serem desvendados, o que às vezes não é nada salutar.
Outros dois meninos são Ricardo Coruja e Chiquinho Natureza. Coruja é ligeiramente mais velho que os outros, mas nem por isso mais inteligente. Dono de uma miopia que o força a usar um par de óculos enormes, Ele é aquele que sempre é usado como embaixador quando os guris tentam lidar com adultos. Infelizmente, sua dicção atrapalhada acaba atrapalhando. Já Chiquinho Natureza é um namorador. O apelido vem do fato de os meninos o acharem tão ruim de bola que dispensaria marcação, pois “a natureza marcaria sozinha”), mas talvez o fato é que ele realmente se interessa pouco por futebol, sempre buscando um jeito de roubar um beijo ou ao menos um olhar das meninas. Longe de ser tão vaidoso quanto Laquê, Chiquinho Natureza sabe que tem seu charme e sempre que pode desaparece atrás de um rabo de saia, para desespero de seus companheiros, subitamente desfalcados no meio de um jogo.
Esse é nosso elenco secundário. É em torno – e com o auxílio – deles que Miguel vai enfrentar a tempestade que se aproxima.
ATUALIZADO POR CARLOS HOLLANDA
Os personagens parecem calcados em mapas astrológicos reais. O Poeira tem que ter algo de Gêmeos (esperto, ágil, falador e com problemas respiratórios) + Libra (mediador, atenuador de conflitos) + Câncer (compreensivo com as sutilezas dos demais e seus dramas internos, protetor sem ser fanfarrão).
ATUALIZADO POR CARLOS HOLLANDA
Os personagens parecem calcados em mapas astrológicos reais. O Poeira tem que ter algo de Gêmeos (esperto, ágil, falador e com problemas respiratórios) + Libra (mediador, atenuador de conflitos) + Câncer (compreensivo com as sutilezas dos demais e seus dramas internos, protetor sem ser fanfarrão).
Laquê é leonino, com certeza. Metido a esperto e a melhor, generoso, mas com um ego do tamanho de um bonde. O cabelo é a juba. Leoninos costumam ter essa questão com os cabelos mesmo quando carecas. Laquê deve ter um ascendente em Áries, pois é brigador, enfrenta os oponentes na maior cara de pau, mesmo que tenha que correr deles depois.
O Natureza é o sedutor Libra + o dispersivo Peixes. Ruim de bola ou de qualquer esporte, é ótimo estrategista por um lado, mas um sonhador romântico por outro, fácil de errar caminhos conhecidos por que se distrai com algo interessante. Perde o gás facilmente quando sua atenção é desviada para algo, digamos, mais idílico que um bando de homens suados e fedidos.
Coruja só pode ser Peixes + Sagitário. Grandalhão, atrapalhado, feito o Pateta da Disney, sempre otimista e disposto a um auto-sacrifício, mesmo que se dê mal quando vai representar a turma. Há muitos piscianos ou Ascendentes em Peixes que ficam estrábicos quando dispersam a atenção. Ele também deve ter o planeta Mercúrio no mapa bem bombardeado com aspectos tensos: a dicção ruim. Mercúrio tb rege a fala articulada e a escrita.
sexta-feira, 15 de maio de 2015
As reencarnações do imperialismo e o poder do moderno na tipografia.
Em 1988, um filme – que não gostei na época – chamou minha atenção por apenas um detalhe aparentemente invisível para a maioria das pessoas. Esse filme é Eles Vivem (They Live), de John Carpenter. Por trás da trama sobre invasão alienígena, havia uma crítica pouco sutil sobre a cultura yuppie e o capitalismo exacerbado. O “McGuffin” do roteiro para toda a ação era a existência de óculos especiais que permitiriam ao usuário “ler” a verdadeira mensagem subliminar de submissão por trás de todos os outdoors, capas de revista e programas de TV. Ou seja, nossa sociedade já estava dominada pelos aliens, que em lugar de disparar torpedos em Washington ou destruir a camada de ozônio, simplesmente nos convenceram a consumir o planeta, cultuando o “Deus dinheiro”.
Uma metáfora rasa, sem dúvida, mas o que me chamou a atenção foi um detalhe: todos os letterings do filme eram construídos com variações de uma única família tipográfica: a Futura.
Futura é uma família tipográfica sans-serif criada em 1927 pelo tipógrafo Paul Renner, buscando um viés modernista, geométrico e diferenciado. Apesar disso e de sua proximidade estrutural dos projetos tipográficos da escola Bauhaus, o lançamento comercial da Futura ocorreu apenas nove anos mais tarde. A família tipográfica de Renner, além da forma geométrica e sem serifas, privilegiando triângulos, círculos e quadrados em detrimento de ovais, também ansiava por um ineditismo, deixando de lado modelos antigos e referenciais. Apesar de todo esse desejo pelo novo, algumas semelhanças formais com a Capitalis Romana – letras cunhadas em Roma para os templos e monumentos, projetadas para leitura ao longe e que também serviam como identidade visual do império – são inegáveis, principalmente nos ângulos agudos de letras como “M” e “A”.
Talvez aí, nessa aparente contradição, resida o fascínio exercido pelo projeto de Renner, pois apesar de ansiar pelo novo, existe ali uma sedução pelo lado portentoso, poderoso, do Império Romano. E talvez por isso aceitemos essa família tipográfica como fator de reconhecimento de uma cultura invasora, estranha, alienígena.
Por esses motivos, escolhi a Futura para o primeiro logotipo de Psicopompo. Sim, primeiro, pois o logo deve refletir a natureza do protagonista e, por isso, decidimos que haverá uma evolução constante na estrutura das letras até o término da confecção do álbum, sem , porém, macular sua identidade tipográfica.
Aguardem os futuros passos.
quinta-feira, 7 de maio de 2015
O pombo psíquico na rede
Mais um belo sketch do Carlos Hollanda |
Fui entrevistado pelo Delfin, no programa Ninho do Coruja e falei sobre Psicopompo, a HQ Tamasha e o Fim do Mundo e até sobre o Prêmio Hugo de ficção científica.
Alguns dias depois, foi publicada a entrevista que eu, Carlos Hollanda e Osmarco Valladão cedemos ao Wilson Simonetto para o novíssimo site de cultura pop Pastel Nerd. Muito obrigado pela oportunidade e pela divulgação, Wilson, Maurício Muniz, Ben Santana, Fábio Ochôa e toda a galera. Vocês são os melhores.
Mas as asas do pombo não param de bater. Fiquem antenados aqui no blog, porque novidades não tardarão. Semana que vem voltaremos para discorrer um pouquinho sobre as escolhas tipográficas de Psicopompo, porque designer que se preza tem de falar sobre letras ou então pensar seriamente em mudar de carreira.
segunda-feira, 27 de abril de 2015
Símbolos e inspirações no imaginário do esoterismo ocidental (por Carlos Hollanda)
Miguel, o protetor dos caminho, no lápis de Carlos Hollanda. |
***
Uma das coisas que me atrai neste projeto é a abertura que temos para trabalharmos as obviedades e as sutilezas. A narrativa traz, de caso pensado, várias alusões ao simbolismo mágico, esotérico e alquímico, mas em grande parte isso surge não diretamente nos diálogos, mas nas imagens, quase como uma segunda narrativa, ou melhor, quase como uma boneca russa ou um garimpo. Você vê e lê, enxerga de imediato algo, mas ao prestar atenção aos detalhes, percebe que há bem mais ali. Esses símbolos são inseridos de modo muito sutil e pode acontecer de eu desenhar algo despretensiosamente e no final acabar havendo uma forma indiscutivelmente associável a representações da alma, de sigillum, os “selos" angélicos usados, por exemplo, por magos como Cornelius Agrippa ou John Dee. Este último, aliás, chegou a produzir um alfabeto angélico, dizia comunicar-se diretamente com tais entidades.
Cornelio Agrippa, John Dee e o alfabeto angelical |
Psicopompo é um dos títulos de Hermes, o “guia de almas” para o invisível mundo dos mortos, mundo este, o Hades, que precisava ser atravessado para conduzir aos Campos Elíseos, o paraíso da mitologia grega, o local dos Bem-Aventurados. Assim, o mundo dos mortos ou melhor, o invisível (uma qualidade do grego Hades), ou melhor ainda, “ver" o invisível por analogias, é a pré-condição para se chegar ao sublime. É preciso brincar com as realidades ao redor, brincar com os eventos simultâneos e com as percepções que temos. É preciso ser um pouco criança, como os personagens de Psicopompo cuja essência do protagonista só é visível para quem tem olhos para ver. Os quadrinhos permitem isso como nenhum outro meio, creio eu.
No meio da narrativa vamos encontrar sinais no cenário, nas roupas, no ambiente, nos olhares. Volta e meia o leitor verá um caracter como aqueles usados pelos integrantes do Led Zeppelin escondidinho ou sendo a própria diagramação. Está longe de ser algo com fundo religioso, mas convida o leitor a refletir sobre a própria condição humana usando códigos de reconhecimento na cultura de massas e noutras experiências à disposição da contemporaneidade. E por que não beber da arte sacra de todos os tempos junto com os noticiários sobre a vida e a desigualdade das grandes cidades? Por que não embutir sutilmente imagens arcanas, que falam a qualquer um e não apenas uma cultura específica? Com isso a comunicação se dá em múltiplos níveis muito além do óbvio.
Símbolos esotéricos utilizados em ilustração de Carlos Hollanda |
Não dá pra revelar muito mais por três motivos: o primeiro é que em vários pontos, esse simbolismo tem que ser colocado em comum acordo com o Octavio Aragão, que é o narrador principal. O segundo é que eu preciso sentir em que pontos as sugestões se encaixam estética e narrativamente de modo a contribuir e não poluir com as imagens e a trama. Não é um tratado de esoterismo ou de magia, tem alusões que fazem a ponte entre a figura do "mensageiro" e do protetor e toda uma tradição que veio ganhando novos contornos de tempos em tempos, sobretudo desde a segunda metade do século XIX, com o surgimento do espiritismo por um lado e de diversas organizações iniciáticas que resgatam o simbolismo hermético anterior à Idade Média. O terceiro motivo é mesmo para deixar a surpresa.
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